A simplicidade voluntária de cada dia
Fica difícil saber o que faz sentido pra nós quando o mundo nos oferece tantas respostas e soluções prontas. Como parar pra ouvir o que é o tal do "essencial" pra nós?
Quando eu falo que vou fazer o Caminho dos Diamantes e Sabarabuçu, 500km a pé sozinho e ainda gravado, a reação das pessoas quando conto dessa presepada é sempre a mesma: “Pra que caminhar tudo isso?”
O primeiro motivo que eu sempre dou é me desconectar do mundo todo e me forçar a conectar só com o presente, com o que acontece à minha volta. Ficar um pouco offline e não saber de tudo o que acontece no mundo em tempo real, conversar com um velhinho em uma praça desconhecida, agradecer por uma sombra de árvore, dar bom dia pra desconhecido , tentar me conectar com a natureza de uma forma mais simples e nunca sabe o que de fato vai acontecer nos próximos 2 quilômetros.
Um segundo motivo é praticar o minimalismo, exercício pra vida inteira. Cada caminho é um novo aprendizado. O primeiro, no Caminho de Cora, eu levei barraca sendo que o que eu mais pirava era chegar cansadão e ficar numa fazenda trocando potoca com os moradores. E outra, eu ainda faço documentários enquanto peregrino, então nem tenho como acampar porque preciso carregar as câmeras para o próximo dia. E isso por si só já iria contra o minimalismo, porque a parte mais pesada da mochila é justamente as câmeras, baterias, carregadores, HD.
O terceiro motivo é que é uma oportunidade de enxergar os detalhes simples do dia. Não tem um vulcão explodindo na sua cara, algo extraordinário, só tem o ordinário mesmo e a beleza é tão sutil que precisa estar atento. O incrível pode ser simples, mas tem que se forçar a enxergar o caminho de formigas e entender como elas se organizam, uma borboleta azul que te segue, uma árvore diferente se descascando toda no inverno, um riozinho passando e fazendo um som gostoso. O cheiro da casca de um árvore que lembra minha infância. É simples, é ordinário, é a vida.
E por mais que eu queira ficar muito tempo offline, isso tudo ainda é trabalho. Então nesses 500 quilômetros, mais de 1 mês caminhando, irei compartilhar o dia a dia peregrino, pensamentos, as dores, as belezas simples da estrada.
Aqui na newsletter vou compartilhar o geral de cada semana, alguma reflexão insistente. No Instagram farei a famosa “novelinha peregrina”, todo dia terão stories, postagens e reels em formato de diário, dia por dia. No YouTube o trabalho será compartilhando por completo, a obra prima, o documentário. Todos os relatos e dores de percorrer os 500km, misturadoras com aprendizados sobre a história de Minas Gerais, imagens áreas de todos os vilarejos que encontrar no caminho e entrevista com personagens que surgirem no meu caminho.
Dica viajante
Só quem já teve o mochilão todo roubado sabe a dor de cabeça que é esse momento. E agora que tenho mais equipamentos, roupas de qualidade e que duram muito tempo, fico doido só de imaginar perder tudo de novo e ter que reconstruir do zero.
Para me dar um pouco de tranquilidade na cabeça, comprei um AirTag, um rastreador da Apple que tem como esconder na mochila. Já testei no voo entre Colômbia e Brasil e deu tudo certo, o rastreamento é ótimo e tem funcionado muito bem. Se a companhia área sumir com meu mochilão, ao menos tenho onde começar a procurar.
Hoje em dia existem vários tipos de rastreadores, de várias marcas e até mesmo o SPOT, que é focado em geolocalização de pessoas (esse é bem maior e mais caro, mas também pode ser usado pra pedir socorro mesmo sem nenhum sinal). Se alguém levar a mochilão, pelo menos vou ter a possibilidade de rastrear sua localização e entregar algumas pistas pra polícia.
Dica produtor de conteúdo
Esses dias rodou nas redes sociais dos viajantes um artigo falando sobre “pessoas que estão desistindo do nomadismo”. Como tudo na vida a grama do vizinho é sempre mais verde, não é? E quem vive viajando e ainda perpetuando que a vida é mil maravilhas, vai reforçar essa ideia mesmo. Eu me incluo nessa lista, porque já falei muitas maravilhas sobre a minha mudança de carreira, mas hoje em dia, eu procuro ser mais pé no chão para realmente ajudar as pessoas que estão no começo da sua vida nômade.
E principalmente depois da pandemia sinto que teve um movimento de galera “largando tudo”, achando que a internet “iria prover”, e acabou frustrado. Cara, foram 3 anos quase trabalhando de graça na internet enquanto viajava e fazia outros trabalhos para HOJE conseguir me sustentar com o dinheiro que sai daqui. E mesmo assim não é rio de dinheiros que eu possa fazer alguns projetos grandes, ainda tenho que ter cautela com o que ganho.
Muitas pessoas desistem de viver na estrada porque abraçaram essa ideia romantizada de vida boa e fácil, mas a realidade é dura. Quem aguenta a ansiedade de não ter um lugar fixo e sempre ter que estar caçando o próximo teto? Quem banca a conta bancária com 200 reais e sem previsão da próxima vez que vai receber? E não ter sempre um ombro amigo por perto pra te dar aquele abraço, aquela conversa profunda? Ou então aquelas mesas horríveis pra trabalhar que só te deixam com torcicolo? Isso se não for trabalhar da beliche enquanto um maluco recebe um body shot do seu lado.
Viver tudo isso por um tempo é lindo, é novo e por um tempo chega a ser uma adrenalina viciante. O tempo vai passando e a falta de rotina te quebra, você fica exausto e não quer mais ir à praia, só fica caçando uma cadeira descente pra trabalhar e uma comida segura que não te faça abraçar o vaso. Sem falar naquelas mentiras de usar computador ao ar livre. Quem em sã consciência consegue trabalhar com a luz do sol refletindo na tela do notebook? Pelo amor de Jah.
Na minha visão, no mundo dos viajantes, quem entra pra trabalhar na internet somente por dinheiro raramente dura. Depois de alguns uns anos, vai ter que escolher entre trabalhar de graça ou ganhar dinheiro surfando nas modinhas, vendendo falsas promessas e cursos mirabolantes com a solução pro problema de todo mundo.
Eu tenho 8 anos de Vida de Mochila, ja foi página, virou blog, virou instagram, virou canal. É muito tempo! E deixa eu te contar, até hoje, mesmo depois de 8 anos, eu ganho menos $$ do que ganhava como Analista de Marketing na BRMalls, meu último emprego CTL em 2016. E nem estou levando em conta a inflação e correção monetária. Se fosse só pelo $, era melhor ter ficado lá na carreira de marketeiro.
Nesse vídeo aqui gravado no ano passado eu compartilhei um pouco sobre trabalhar com a internet e viver na estrada. Foi um desabafo porque eu, véio de guerra nesse mundo, me dói ver pessoas fazendo tudo e qualquer coisa pelo algoritmo de um lado e pessoas iludidas que compram essas ideias do outro.
Não compre os sonhos de outras pessoas. Temos que carregar as consequencias das nossas escolhas, mas que sejam consequencias de realizar o seu sonho, e não o de seguir o caminho de outra pessoa.
Bastidores da estrada
Sabe aquele papo de meditação “senta, cruza as pernas, fecha os olhos e respira?” A minha mente é agitada demais pra isso. Já tinha tentado e o que parecia ter passado meia hora foram só 30 segundos. E por isso sempre achei que meditar não era pra mim.
Quando comecei a fazer peregrinação descobri que o que eu preciso pra realmente meditar é movimento. É ouvir os pássaros pela manhã, estar sozinha rodeado de natureza, dar um passo depois de outro com a mochila nas costas. É assim que eu entro dentro de mim de uma forma que jamais experimentei. O som da bota pesada na estrada de terra, a garrafa de água balançando. Eu dou risada, choro, fico frustrado, alegre, eu sinto tudo.
Já me falaram que é uma forma de meditação ativa, ou até meditação em movimento. O nome eu não sei, só sei que aprendi que é assim que eu medito. Andar meditando, meditar andando.
Nem sempre o que funciona pra muitas pessoas pode funcionar pra gente, e só depois que descobri sobre a meditação ativa que eu fui pesquisar, entender melhor. Agora eu realmente encaro a caminhada sozinho principalmente de manhã sem o sol na cabeça como um momento para mergulhar dentro de mim mesmo.
Saca só
Tem um episódio de podcast do Coemergência que eu ouço todo ano, é o simplicidade voluntária, com o monge Jorge Koho Mello. Uma vida simples pra mim é uma vida tranquila, um estilo de vida tendo o necessário, consumo consciente. O foco da sua vida não é acumular, não é crescer a todo e qualquer custo, é ter uma vida simples tendo tempo para descansar, pro lazer e principalmente, pra dar e receber afeto.
E, claro, não tem como ignorar o fato de que a simplicidade voluntária é algo para quem tem acesso ao básico para viver e escolhe ter um estilo de vida priorizando a qualidade e não a quantidade. Não estou fazendo aqui uma ode a não ter nada, porque o ideal é que todos um dia possam ter as necessidades básicas atendidas. É necessário calçar os sapatos para aprender a gostar de andar de descalço.
“Numa época de culto a viagens instagramáveis, bombardeio de informações, cansaço generalizado pela correria frenética de nosso atual estilo de vida, o que uma vida mais simples pode fazer por nós?”
E por que o nome simplicidade voluntária? Porque é uma escolha, você escolhe a simplicidade do seu estilo de vida Um exemplo pra mim disso é o Mujica, ex-presidente uruguaio. Ele poderia ter a casa que quisesse, mas ele mora num sítio no meio dos pampas porque, pra ele, ali é a vida que está mais próxima do que ele entende por qualidade de vida.
Não é “ter dinheiro e por isso vou comprar uma casa em Punta del Este”, é mais sobre “eu sei que posso, mas o que faz sentido pra mim é algo mais simples que isso”.
Eu volta a meio entro nesse dilema. Tenho dinheiro hoje para comprar outras lentes pra câmera, mas eu preciso delas? Elas vão me gerar mais gasto, mais peso na mochila, mais cuidados, mas também vão trazer qualidade, novas funções e maneiras de gravar. Vale a pena? Realmente preciso? Nem tudo o que a gente compra vem pra somar.
Ou então eu poderia trocar a mochila, mas eu não preciso. Ela não tem nenhum rasgo, está ótima, não teria motivo para comprar outra. E nesse esforço de carregar tudo o que se possui, a simplicidade voluntária acaba sendo um exercício obrigatório para não estragar a coluna. Ter condições não significa precisar e nem querer, às vezes uma compra só demonstra que temos condição financeira mesmo e nada mais.
Mas paro pra pensar no Richard antes de diminuir a vida toda em duas mochilas. Ter um lugar, uma casa, é quase um convite pra acumular. Comprar por comprar, ter 3 pares de chinelo, 4 tênis, 2 botas. Somos incentivados a pensar em crescer, melhorar, subir, competir. Mas essa é uma lógica de consumo tão absurda que a gente pensa que sentar na montanha de pertences é sucesso na vida.
Hoje em dia eu preciso pensar bem no que entra na mochila, porque algo vai ter que sair. E é tanto estímulo para comprar que realmente nos confunde a cabeça. “Tá na promoção? Aproveita!” “Pague 3 blusas e leve 4!” Voltar pra grande cidade é quase como sentir as propagandas esfregando na nossa cara o tempo todo, o algoritmo mostrando aquele item que é imperdível de você ter na vida baseado na sua geolocalização. E o “melhor”, ridículo de barato. O que me deixa até assustado com as condições que foram feito…
Simplicidade voluntaria é quando você entende que nem sempre quando você tem todos os recursos que você sonhou você vai ter uma vida feliz. Porque mesmo quando eu tinha dinheiro para comprar tudo o que queria, não tinha tempo ou disposição para curtir mais nada. E hoje, sete anos depois de pedir demissão, não ganho o mesmo que ganhava naquela época. Mas eu tenho tanto mais tempo que é isso o que mais faz sentido pra mim.
Simplicidade voluntária é quando você entende que não precisa de muito para viver bem e ser feliz, atender as suas necessidades, ter seus prazeres.
Beijo do careca peregrino,
Salve Richard, acompanhando aqui! Parabéns, tô montando um projeto de caminhadas tbm, no seu canal tem alguma informação sobre a mochila que vc tá usando? Parabéns pelo trabalho!